domingo, 9 de janeiro de 2011

Lembranças

Não éramos os irmãos perfeitos. Ele gostava de mexer na minha bolsa para ver se tinha doces, de secar a mão na minha toalha e de sair correndo na minha frente para tomar banho primeiro que eu. E há outro banheiro, mas era aquele que gostávamos de usar.

Também me acordava aos sábados com metal na maior altura. Mas disso eu não reclamava. E gostava de colocar o hino do Corinthians na última altura quando nosso Timão fazia gol. Aliás, era uma festa em casa nos dias de jogos. Minha mãe tinha que fazer comida especial e os dois pulavam pela sala nas comemorações. Mas quando nosso time perdia, éramos proibidos de falar sobre a partida. O silêncio era decretado no mesmo instante.

Quando crianças, passávamos o dia vendo TV, comendo doces e tomando tubaína. Depois ele entrou na escola e eu ia buscá-lo. Comprava salgadinho e voltávamos para casa correndo porque ele sempre inventava de tocar campainha das casas pelo caminho e tínhamos que fugir para não sermos vistos.

Começou a se interessar por cinema. Passava o dia baixando filmes. Sabia a ficha completa de atores e diretores. Ele e minha mãe amavam ‘O Poderoso Chefão’, Alfred Hitchcock e Al Pacino. De vez em quando, agradava-me com filmes e séries que eu gostava.

Começamos a ir para shows juntos. Whitesnake e Judas Priest foi nosso primeiro show. Na verdade, fui eu que comecei a ouvir rock, mas foi ele quem se aprofundou na música. Pagou metade do meu ingresso para ver Dio porque queria ir à apresentação, mas não sabia chegar ao Credicard Hall. E, assim, fui a alguns shows na maior facilidade – com ele pagando parte da minha entrada -, até que cresceu e aprendeu a sair sozinho. A partir daí, se quisesse ir junto, tinha que pagar pelo meu próprio ingresso. As vantagens de ser irmã mais velha não costumam durar para sempre.

Talvez por isso que me interessei tanto em trabalhar no ramo da música. Quem não gostaria de entrar em shows com crachá de imprensa? Depois compensei e o levei comigo a um show como fotógrafo, mas quem teve que se virar para tirar fotos e depois fazer resenha fui eu. Justo, pois já tinha me pagado vários ingressos.

Rock, cinema e Corinthians faziam sua diversão. Mas a vida – ou a morte – não poupa alguém por saber se divertir – porque isso ele sabia. Gostava de tomar cerveja, comer batata frita e pizza. Se eu deixasse, todo meu Visa Vale seria gasto na pizzaria. Sempre pedia para eu comprar a de carne seca. Nunca comprei. Dizia que poderia ser da próxima vez. E agora não posso mais. Não há próxima vez.

Um comentário:

Kate disse...

As pequenas coisas fazem diferença. Afinal, são as experiências que vivemos que nos fazem ser únicos e isso ele sempre será.