sexta-feira, 30 de junho de 2017

Sem ansiedade

A vida é um eterno recomeçar. A gente tropeça e continua. Cai e continua. Machuca-se e continua. Continua sem conhecer o restante do caminho. E a cada curva, estamos mudando, nos adaptando e querendo entender o que nem sempre é compreensível.

Sofremos por situações passageiras. Queremos resolver o que nem sempre está ao nosso alcance. E nos despedaçamos por um futuro trágico que nem sabemos se chegará. Somos tão dramáticos.

Às vezes, a gente estaciona, por algum motivo fica parado, embora queira prosseguir. Não é por preguiça ou desânimo, mas sim por distrações positivas, que nos encantam e fazem com que nos prolonguemos quando já deveríamos ter ido embora.

Então, a vida nos empurra e faz a gente continuar o caminho por outro lado. Outro lado que a gente não sabe exatamente qual é. Mas há quem diga que a graça da vida está aí. Em não saber o que está por vir. E na chance de se surpreender com as descobertas. Muito embora também possa acontecer o contrário: a decepção.

Mas para que ter pressa, não é mesmo? A ansiedade, seguida por uma gastrite, não vai ajudar em nada. Melhor, então, viver um dia de cada vez. E fazer o melhor que pudermos. Apesar de nem sempre o melhor significar muito. Mas é o que podemos no momento. E talvez seja o suficiente.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Coisas que odeio em você

Irrita-me o fato de eu ficar nervosa com você. Eu não tenho que ficar nervosa porque não devo me importar com o que você faz. Irrita-me o fato de você ficar nervoso comigo. Você não tem de ficar nervoso porque sei que não se importa com o que eu faço. Irrita-me o fato de eu esperar que você faça o que diz que vai fazer. Eu não devo esperar nada de você. E você também não tem de esperar nada de mim. Irrita-me o fato de você querer que eu te ligue e mande mensagens. Se não temos nada, também não temos de agir como se fôssemos namorados.

Na verdade, nós só usamos um ao outro. E isso não é ruim. Porque gosto de estar com você. Eu só não posso esperar mais que alguns bons momentos. Porque não temos nada mais que isso. Gosto da sua companhia e sei que gosta da minha. Mas para estar com você eu tenho de arranjar formas de preencher as lacunas que você deixa. E não são poucas. Embora você ache que faz muito por mim. Não faz. Sei que não posso passar o resto da minha vida tampando os buracos que você deixa. Mas este será um problema que terei só depois. Porque hoje eu dou conta do trabalho. E me divirto com isso.

Só que irrita o fato de você estar na minha cabeça e de eu estar escrevendo este texto. Você não tem de ser importante. Eu até sei por que você gosta de mim. Eu te ouço. E você adora falar. Podemos passar horas e horas conversando. E sobre qualquer assunto. Pecamos em ter intimidade. E eu adoro conversar com você, especialmente quando você me faz rir. E essa é sua especialidade. Também adoro sua espontaneidade e seus olhos fascinados enquanto conta uma história. E a maneira como nossa conversa flui facilmente.

Mas, sobretudo, irrita-me o fato de eu saber que nada disso importa e desconhecer o que realmente deveria importar.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Ausência

Perco-me em pensamentos e, quando percebo, estou andando sem saber. Seguindo o caminho automático de todos os dias. Tão automático que posso estar ausente. Meu corpo segue por onde a mente já conhece. Essa sensação não é boa. Dá medo de que a ausência se prolongue e eu não me dê conta.

Quanto da vida será que perdemos sem notar? Quanto tempo desperdiçamos com pessoas desinteressantes? Quanto a gente faz sem realmente gostar? E quanto a gente deixa de fazer mesmo querendo?

É fato que a vida não é só farra. Há partes burocráticas, tediosas e, no entanto, necessárias. O problema é quando essas partes dominam o dias. E os dias viram semanas e as semanas se tornam anos. Anos sem se mexer. Na comodidade de uma falsa segurança. Claro que os caminhos serão automáticos. Não só os caminhos, mas também a vida. Uma vida em que nem precisamos estar lá.

A gente se prende a algo e não consegue sair. Como se estivesse preso em um quarto trancado. Mais que isso. Como se nosso corpo perdesse os movimentos e não conseguisse dar um passo a frente. A gente faz força, mas não sai do lugar.

Percebe que há lacunas internas, mas não sabe como preenchê-las. A alma fica vazia por dentro. Ainda que por fora brilhe com pequenas doses de felicidade. Doses que não são suficientes.

Chega um momento em que a vida pede mais. Pede coragem. Pede ousadia. Pede mudanças. E a gente sente um buraco na alma e não sabe o que fazer e nem por onde começar. A comida perde o gosto. A gente perde o prazer.

Mas quem nos olha, não percebe. A luta é interior. Os conflitos estão na mente. Por fora, o corpo faz o trabalho que conhece. Tão automático que podemos estar ausentes. E, às vezes, realmente estamos.

sábado, 24 de junho de 2017

Ninguém é

Neste mundo maluco, não basta ser, é preciso parecer. Se vocé é, mas não demonstra o suficiente, se não se exibe, está descartado. Da mesma forma, não importa o que você seja, mas se parece que é, o mundo é seu.

O mundo é dos enganadores. Dos bons vendedores de si, que em algum momento se perdem internamente, porque, afinal, não o são. Mas sabem fingir bem.

Enquanto quem é também entra em caos, porque não lhe foi dado credibilidade. Ele é, e é como se não fosse. E ele não sabe ser mais nada além dele.

Os dois lados adoecem, procuram por psicólogos, religiões, textos de autoajuda. Ambos, em algum momento, enlouquecem. Mas manter sanidade também é fingir. Ser quem não é. Alguém é? O tempo todo?

Buraco

O vazio é tão imenso que fica cada vez mais dificil preenchê-lo. E chega um momento em que quase nada serve. E o espaço vai aumentando. E uma dor surge proporcionalmente. A gente fica sensível. Cada vez mais. Tudo machuca. A imunidade emocional cai. E a gente quer que o tempo passe rápido. Sem saber exatamente para quê. Como se viver fosse riscar os dias do calendário. Um por um. Sem propósito algum.

A gente fica vulnerável. E perde o gosto, o encanto, o prazer, as vontades. A gente se descaracteriza. Quer passar sem ser notado. Na verdade, quer ser invisível. Age por obrigação e no automático.

Há dias em que gostaria de não sair de casa. Mas saio. Há deveres a cumprir. E, em meio a sorrisos, música e café, o dia termina. Nem sempre é ruim. Mas a gente anda como se estivesse esquecendo algo. Falta alguma coisa e não sabemos o que é. Será que sempre seremos incompletos?

O tempo passa. E dá vontade de voltar e começar tudo de novo. Embora eu saiba que faria tudo igual. Na verdade, seria para atrasar o tempo. Para ganhar tempo. Para me convencer de que é natural que nem tudo seja do jeito como imiginamos. Porque éramos inocentes quando idealizamos. Idealizar é ser ingenuo. Porque o ideal hoje nem sempre é o melhor amanhã. Mas a gente se prende ao que foi desejado. E se sente péssimo quando não o alcança.

Também parece que estamos sempre fugindo. Fugindo do tédio. Fugindo da realidade. Fugindo da solidão. A gente se agarra a algo pra fugir. E às vezes até confunde a fuga com o amor.

No fundo, somos todos carentes. A diferença é que uns escondem melhor que os outros. Por dentro, a gente é uma criança cheia de medos a superar. E provavelmente nunca supere todos.

Motociclista

Era alto, magro, de jeito confiante e olhos castanhos, mas não eram esses detalhes que me chamavam atenção. Havia alguma coisa nele que se destacava e me atraia. Eu não parava de olhar para uma coisa: as linhas de expressão no canto inferior e externo dos olhos dele.

Eram quatro no total. Duas de cada lado. Lindas. Quatro linhas que se destacavam a cada sorriso discreto e davam ar meigo àquele rosto que está há pouco tempo na casa dos 30 anos. Eu me perguntava porque gostava tanto daquilo. Simetria perfeita, como se um olho e suas duas marcas fosse o espelho do outro. Aquelas linhas faciais, que podem ter se formado por preocupação, estresse ou talvez sejam apenas de nascença, faziam meu olhos penetrarem nos dele. E se os olhos são mesmo a janela da alma, eu posso dizer que o conheci na essência.

A conversa foi longa e atravessou a noite. Descobri bobagens como time, profissão e signo. Demos risadas, andamos de mãos dadas, nos tratamos com intimidade. E, mais tarde fui perceber, esqueci de perguntar o nome. 'A gente se encontra na estrada', ele me disse, antes de subir na moto e voltar para sua cidade. Nunca mais voltei a vê-lo.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Tão pequeno

Às vezes, a gente se sente pequeno como um grão. Mais um na multidão como num mar de areia. A gente é frágil. Do tipo que se desequilibra com uma música velha. A melodia traz com as notas memórias escondidas, guardadas com muita dor. Levam a gente para um tempo e oferecem realidade.

Eu parei. Estava no meio da minha aula da academia. Mas era como se aquele cd estivesse na minha frente. A caixinha era vermelha e os dentes no meio estavam metade quebrados. A gente ouviu tanto aquelas músicas. Eu sabia cantar todas elas. Sei ainda, pude perceber. Letras para adolescentes. Mas éramos crianças. Não tinhamos a malícia cantada. Éramos inocentes. Cantávamos letras que não sabíamos o real significado. Poucos da nossa idade na época sabiam.

Ele tinha os cds dele e eu tinha os meus, mas aquele era nosso. Compramos juntos. Talvez por isso me bateu uma tristeza seguida por vontade de chorar. Depois que cresceu, ele já não gostava mais de Charlie Brown Jr., mas nessa época, ouvíamos as mesmas músicas. Mais tarde, eu fui para o hard rock e ele, para o heavy metal. Até tinhamos bandas em comum, mas esse cd reflete nosso início musical, nosso tempo juntos, nosso tempo inocente. Eu fiz força para não deixar nenhuma lágrima cair. Força que não estou fazendo agora. Estou escrevendo com meus olhos embaçados.

Nenhum tempo volta, mas ouvir Charlie Brown me fez voltar e lembrar de você. E é claro que sinto sua falta. A casa seria mais animada e alegre com sua presença. E eu sinto muito por não te representar tão bem. "... Eu descobri que azul é a cor da parede da casa de Deus. Não há mais ninguém como você e eu...".