sábado, 19 de março de 2011

Médicos também têm dias ruins

Tem liçõs que a gente guarda para sempre. Nunca mais abro um exame sozinha. Nunca mais. Tentar entender aqueles percentuais sem a presença de um profissional é complicado, demorado e cansativo. Além disso, depois de quebrar a cabeça ainda podemos tirar conclusões precipitadas. Deveria ter me lembrado disso antes de ter rompido aquele lacre.

A internet sempre ajuda, é claro. Já nem me sinto mais tão idiota quando pergunto algo ao Google - com ponto de interrogação e tudo. Mas estou cansada de saber que nem tudo ali é confiável. Vou tentar me lembrar disso da próxima vez. Espera aí. Não haverá próxima vez. Não vou mais abrir um resultado. Deveria haver um aviso: ‘Não abra esse envelope sem a presença de um médico’. Ajudaria. Sou curiosa, é verdade, mas pensaria mais uma vez antes da ação. E se mesmo assim abrisse, iria merecer todos aqueles dias de angustia que passaria.

Após ter pensado ter pelo menos umas três doenças, primeiro fiquei triste, depois disse para mim mesma que a vida é assim e que deveria aceitar o que tenho. Fosse o que fosse, a vida nos prega algumas peças e delas podemos tirar várias lições. E eu teria que extrair aprendizado dessas enfermidades.

Por um tempo, guardei tudo só para mim, mas imaginei que não poderia esconder aquilo por muito tempo. Deveria contar para minha mãe. Não havia como guardar tudo sozinha. Não aguentaria. E ela poderia me ajudar. Pensei se falaria para meu namorado ou não. Acabei dizendo. Eu já estava até aceitando. Comecei, inclusive, a pesquisar sobre como seria o tratamento.

Aguardei com ansiedade o dia da consulta.

- Oi, tudo bem?
- Mais ou menos, doutor.

Esconder minha cara de tristeza não era fácil. Não poderia fingir que estava calma. O coração acelerado e o medo de ouvir o que já sabia não deixavam. Mas já tinha decidido que não iria chorar. A medicina é tão avançada hoje em dia.

- Mas o resultado está normal!
- Mas eu vi na internet que esse percentual está acima.

Respirei fundo. Minha mente virou só confusão. Procurei chão, sentido e nexo no que estava ouvindo.

- Vocês se acham, né? Depois que inventaram a internet todo mundo acha que sabe de tudo. Para que procurar o médico, então? Você já sabe o que tem, não é?

Mas o esforço era em vão. Conseguia avistar minha sanidade lá longe. Ela corria e eu gritava e tentava alcançá-la. Ouvia berros de fundo e eles pareciam querer me atingir. Por que ele está gritando?

- A gente passa anos estudando para depois vir alguém aqui e achar que sabe mais. Não deveria existir mais médico. Vocês já têm a internet.

Era como se não saísse mais nenhum som da minha boca. Eu fazia esforço para falar, mas não saía um som sequer dos meus lábios. Também não conseguia andar. Minha mente não me obedecia. Não era só pensar em mover a perna que ela iria sozinha? E por que ele continua gritando?

- Se está dizendo que está doente. Então, tudo bem, você está!

- Estou?

-.....

- Doutor, não estou entendendo mais nada.


Eu queria ir embora. Sair dali era tudo o que eu precisava. Não era obrigada a ouvir ninguém gritando comigo. Era só levantar, abrir a porta, atravessar a recepção, apertar o botão do elevador, descer, passar pela portaria e pronto. Em questão de minutos estaria longe.

- Você não tem nada. Está normal. Agora, se quiser que eu diga que você tem algo, eu digo.

Ok. Eu não pretendia ofender ninguém. Não mesmo. Até pouco tempo eu estava aflita pensando ter algo que não tinha.

-Tá.

- Vocês adoram inventar doença, viu?

Não ouvi mais nada. E nem sei como consegui sorrir e fingir que tudo aquilo era uma brincadeira. Afinal, um médico começar a gritar com um paciente só pode ser uma piada. Achava que precisava de um psicólogo, mas depois de presenciar tal cena eu devo ser mesmo bem normal. Bem calma. Bem paciente. Era só questão de horas para toda a confusão se manifestar em forma de mal-estar no meu estômago. A gastrite tem se mostrado minha melhor amiga nos últimos tempos. Sempre aparece nas horas ruins para mostrar que está ali do meu lado e que não irá me abandonar. Ela, sim, não é uma invenção.

Lembrar: Nunca contrariar um médico.
Repetir: Nunca mais abro um exame sem a presença de um médico.
Memorizar: Exame = médico.

2 comentários:

Felipe Teles disse...

Se gosta tando da gastrite abra outro exame, ela fica conosco juntinho até ler o resultado ela aparece e se ler e não entender, ela ainda estara lá.

Pense que o médico viu em voce a gota d'agua.
Na dúvida culpe o google, se ele não existisse voce teria só a dúvida não a angustia.

HUnf..

Gi disse...

Pois é justamente por médicos como esses que hospitais não têm clientes e sim pacientes. Afinal,em momentos assim, é preciso ter muita mesmo.

rs+