terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Além dos portões

Criança quando solta da mão da mãe se vê em meio a uma imensidão. Sai correndo sem rumo. É levada pela curiosidade. Formas e cores a chamam. Sinal vermelho e placas de ‘entrada proibida’ não a impedem de nada. Tudo o que ela vê é um mundo sedento para ser descoberto. E ela vai, mesmo sem saber para onde.

Quando pequena, me perdi algumas vezes dos meus pais. Mas esses episódios não vêm ao caso. Quero contar da vez em que sai de casa. Deixei meu primo de uns 20 anos que estava cuidando de mim, peguei um dinheiro que eu tinha guardado e simplesmente sai, sem nada ter planejado. Queria sozinha desbravar o que havia além dos portões da minha casa. E tudo é novo e atrativo quando se tem seis anos.

Antes, porém, resolvi passar na bomboniere. Afinal, onde mais uma criança poderia gastar o seu rico dinheirinho? Com doces na mão, fui em direção ao caminho que eu já conhecia. Porque mesmo quando queremos fugir, sempre vamos para onde nos sentimos seguros. Quando percebi, estava indo para loja da minha mãe. Seriam uns 20 minutos de caminhada. Eu achava que conhecia o caminho.

O trajeto foi uma aventura. Na metade, lembro-me de ter encontrado uma menina que parecia ter minha idade. Ela me chamou e começamos a conversar. Até que me dei conta de que estava ficando tarde e resolvi prosseguir. Passei feliz pelas ruas que eu nunca tinha percorrido sozinha antes. Sentia-me livre. Independente. Confiava apenas na minha memória. Vai reto até o final da rua, depois vira à direita e sobe até a praça e, em seguida, desce a rua.

Quando finalmente cheguei, minha mãe estava desesperada. Meu primo havia acabado de telefonar dizendo que me procurou por toda a casa e não me encontrou. Minha mãe me abraçou forte e eu percebi a admiração e o espanto dela por eu ter conseguido chegar lá sozinha. Ela não entendia o porquê de eu ter feito isso. Eu disse apenas que queria ir até lá e que não havia passado pela minha cabeça pedir que meu primo me levasse. Na verdade, até hoje não sei o que deu em mim naquele dia.

Eu poderia ter me perdido. Alguém poderia ter me pegado. Só que não tive medo. Mas, pensando aqui, agora, digo que hoje que conhecemos os caminhos, colocamos empecilhos. Temos medo de seguir em frente. Talvez a melhor jornada seja aquela desconhecida. Ao acaso. Apenas seguindo sem pensar na possibilidade de se perder. Mesmo quando não conhecemos bem a trilha. Porque o conhecimento também limita. Por isso, vou pensar que não sei ao certo onde estou. É melhor ir descobrindo aos poucos.

2 comentários:

Gislene Trindade disse...

Impressionante como alguns textos nos caem nos olhos na hora certa! É bem verdade, Déia, parece que deixamos uma tanto da nossa coragem na infância. Quero tudo de volta! Que venham os penhascos, voltemos a gostar de voar!

Daiane Brito disse...

É incrível mesmo. Quando somos crianças tudo parece um desafio enorme e a gente corre para superar!!! Quando adultos, as vezes corremos para fugir deles rsrsrs