quarta-feira, 15 de abril de 2009

Novos mundos

Quem é que não tem uma vó, um pai, um tio ou um amigo que adora contar histórias? Curiosa como sou, adoro conhecer outras vidas. Acredito que todos tenham casos interessantes. Basta saber dar o toque certo de humor e/ou sensibilidade.

Entretanto, algumas histórias pedem mais atenção. É preciso estar preparado para entendê-las. Ops, eu disse entender? Não. Alguns fatos estão além da nossa compreensão. Nosso estilo de vida nos limita. E não há como entender algo sem vivenciá-lo.

Vez e outra, minha mãe conta sobre a infância que teve: comia fruta direito da árvore, tomava banho no rio e fazia festa quando via um carro passar – automóveis eram raros onde ela morava, no interior de Alagoas. Nem consigo me imaginar nessas situações. Eu cresci na “cidade grande”. Mal podia brincar na rua. Era perigoso. Dormia ao som de carros, ônibus e caminhões. Respirava o ar poluído e atraente do centro urbano. Na verdade, ainda faço isso, pois, embora brincar na rua seja algo que deixei de fazer há anos, dormir e respirar ainda estão na minha lista de “coisas que preciso fazer”.

Mas essa comparação é boba. Quero ir além. Comecei a pesquisar sobre o Hospital Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti - antigo asilo-colônia Santo Ângelo - para o livro-reportagem que farei com meu grupo de faculdade. Ouvi e li alguns relatos de pessoas que tiveram que deixar amigos, familiares, casa e o que mais tivessem para construir uma nova vida. Foram isoladas do mundo porque apresentavam risco à sociedade: tinham hanseníase. Para quem não sabe, no começo do século passado, o DPL (Departamento de Prevenção à Lepra), na tentativa de impedir que a lepra se espalhasse pelo estado de São Paulo, encarregou-se de isolar todos que apresentassem sinal de hanseníase. O local escolhido foi Santo Ângelo - Mogi das Cruzes, São Paulo.

Aos que já leram ou assistiram “Ensaio sobre a cegueira”, não é difícil imaginar essa cena. Muitos foram internados ainda jovens. Vi uma entrevista com uma mulher que chegou até o hospital com 10 anos. Sessenta e quatro anos depois, ainda mora lá. Mas é preciso dizer que formou-se uma espécie de cidade em volta do hospital e, embora apenas habitado pelos doentes, chegou a ter prefeito, cadeia, bar, teatro e suas próprias leis. Hoje, há apenas uma lanchonete, um teatro abandonado, igrejas e casas habitadas pelos descendentes dos hansenianos. E muitos não têm mais a doença.

Falar sobre Santo Ângelo ainda é complexo para mim. Há muitas histórias. Preciso assimilar as informações que recebo. Cada vez me impressiono mais. Meu olhar brilha de empolgação e eu me entusiasmo ao falar, pois vejo um universo novo que pede para ser desvendado. No entanto, mesmo com meu fascínio, quem ouve essas histórias imagina personagens deprimidos. Perguntam-me se não é triste fazer essas visitas. E confesso que também pensei que encontraria pessoas deprimidas e melancólicas. Afinal, motivo é o que não falta.

Na verdade, olhamos para elas com a visão de quem estuda, trabalha, vai ao cinema, come no Mc Donald’s no final de semana e vai à praia no feriado. E quem foi que disse que é preciso fazer essas coisas para ser feliz? Uma pessoa não sente falta daquilo que nunca fez. Para dizermos que algo é ruim, necessariamente, precisamos conhecer algo melhor. E vice-versa. Como cada pessoa tem suas próprias experiências, o bom e o ruim são sempre relativos.

Não existe uma fórmula para ser feliz. A frase “não tenho do que reclamar” foi muito usada em todas as entrevistas que li. Não é porque estão numa colônia de portadores de hanseníase que não podem ser alegres. Fizeram amigos, namoraram, casaram, tiveram filhos, ficaram viúvos, casaram novamente. Esse ciclo funciona em qualquer lugar.

Há quem carregue histórias deprimentes, como a de ter que abandonar filhos e família, e há também aqueles que chegaram órfãos ao hospital. Claro que não escolheram ter hanseníase. Ninguém planeja uma doença. Mas já que tiveram, encontraram uma forma de ser feliz com o que tinham.

Nós, que ficamos deprimidos com coisas bobas, é que não conseguimos ver conexão entre uma doença e um sorriso. Então, nos surpreendemos ao encontrar pessoas tão sorridentes, carentes e felizes por Santo Ângelo. Como se todos tivessem que ser infelizes por não serem iguais a nós e não terem o mesmo estilo de vida que temos.

Há muito mais a ser dito. Minha mente borbulha em ideias e questionamentos toda vez que mergulho nesse trabalho, mas deixemos o restante para um outro post, porque esse aqui já está gigante.

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